Hora de fechar a fábrica de software
Mais do que braço, engenharia precisa ser vista como cérebro das empresas
No Vale do Silício, pessoas engenheiras são o patrimônio mais valioso das empresas. Startups e empresas já estabelecidas brigam por talento, porque entendem que ter talento e experiência em seus quadros faz toda a diferença. As pessoas do time de engenharia são tratadas como patrimônio mesmo: de salários fartos a benefícios cada vez mais agressivos, vale de tudo para atrair e reter talento. Uma vez dentro das empresas, são oferecidos treinamentos de “soft” e “hard skills”, tech talks são recorrentes, e a disponibilidade de talento de alto nível faz com que o aprendizado não pare, e com isso, a empresa continue inovando e criando soluções cada vez melhores.
Isso acontece porque as engenheiras são responsáveis por criar as soluções que fazem com que essas empresas ganhem usuários, valor e o mundo. Os times de produto criam teses de desafios a serem solucionados, e o time de engenharia então propõe as soluções, valida, quantifica resultados e ajuda a provar essas teses ou desqualificá-las.
Em algumas scale ups, porém, esse nem sempre é o caso. Os problemas e as soluções já chegam definidos para as equipes de engenharia, e essas então precisam tratar da implementação com pouquíssimo espaço para contribuir com o direcionamento dessas implementações, e com priorizações de projetos que não impactem o cliente diretamente (eu argumentaria que sempre impacta, mas isso é outro assunto), como projetos que aumente a eficiência do time de engenharia em si.
Na minha opinião, esse posicionamento deixa muito potencial não realizado para as empresas, e também causam um grande problema de retenção de talento.
Potencial não realizado
Pessoas engenheiras são treinadas, formalmente ou não, para pensar desafios de forma lógica, usar dados para provar teses e também usar metologias que sejam possíveis de reproduzir para quantificar o impacto das soluções que criam.
Além de pensar na solução que é necessária hoje, a equipe de engenharia sabe e deve investir tempo em soluções escaláveis, que não só vão atender a empresa hoje, mas que vão permitir que a empresa continue crescendo 2, 3, 5 ou 10 vezes no futuro.
Quando essas equipes não tem voz e não participam da concepção de produtos, provavelmente esses ítens não são levados em consideração, ou não ganham a prioridade necessária. Isso na prática causa problemas de estabilidade nos produtos e também acúmulo do chamado débito técnico, que fazendo uma metáfora, são puxadinhos para acomodar necessidades de curto prazo, sem considerar o projeto arquitetônico e de engenharia necessário para que “a casa” fique de pé no longo prazo.
Além disso, para a empresa, é um investimento que não faz sentido. É comum um sentimento de que estamos “gastando demais com engenharia” para o retorno realizado. Isso se dá porque o time é tratado como braço, e não como cérebro, e obviamente sem pensar na escalabilidade e longo prazo, a produtividade do time não aumenta proporcionalmente com o seu aumento de tamanho.
O desafio de retenção
Para trabalhar em engenharia, geralmente são necessários anos e anos de dedicação e treinamento por parte dos profissionais. Agora imagine depois de tanto esforço e dedicação, tu chegares num emprego e não ter a oportunidade de contribuir com o seu completo potencial? Não há dinheiro que faça alguém ficar numa posição assim por muito tempo.
Além disso, de um ponto de vista de engenharia, o trabalho braçal de implementação é chato, repetitivo, e não desafiador. As equipes de engenharia vão inevitavelmente passar mais e mais tempo lidando com débito técnico porque os prazos impostos pelos times de venda e produto geralmente são mais curtos do que o necessário pra fazer diligência técnica. Com isso, se torna cada vez mais difícil testar, lançar nossas funcionalidades, monitorar e no geral, ter certeza que o produto que se está provendo está funcionando da forma que deveria.
Como mercado aquecido, é inevitável que as pessoas do time de engenharia que passem muito tempo fazendo trabalhos repetitivos e medíocres procurem outros desafios em curto espaço de tempo. É comum ver profissionais que trocam de emprego com uma frequência muito alta. Além da empresa perder o conhecimento acumulado por esses engenheiros, piora a situação de aquecimento do mercado porque se vive uma espécie de leilão sem fim por profissionais que, por não achar desafios que os retenham, continuam circulando no mercado. E por continuarem circulando no mercado com grande frequência, não se desenvolvem tanto quanto poderiam em senioridade.
Big tech brasileira?
Está na hora das empresas brasileiras, muitas que almejam ser big techs, começarem a pensar grande no que diz respeito a engenharia, começando por tratar os times de engenharia como eles são, de fato, tratados em big techs: como o cérebro da empresa.
A inovação nas empresas de tecnologia do Brasil não pode acontecer só a partir de demandas de clientes e idéias do/s fundador/es. A demanda de cliente é o futuro previsível. O futuro inesperado é onde a mágica acontece, e pra isso, precisamos de muito mais cérebros engajados no desafio.
Está na hora de fechar a fábrica de software e abrir as portas para as possibilidades que se abrem com essa mudança. Daí sim começaremos a criar big techs brasileiras.
Concordo 100% com o que disse, já senti isso na pele como desenvolvedor. Infelizmente os gestores/diretores atuais mantém uma mentalidade de modelo de fábrica de software. Não adianta falar que a empresa é uma Startup ou que segue metodologias ágeis que isso não muda em nada a concepção da estrutura de negócio em si. Eu mesmo já sai de uma Startup "da moda" por esse motivo.
muito bom o texto, obrigada por compartilhar. Vejo algumas ações para que isso aconteça, como: blindagem da liderança, time sabendo priorizar, e o time tech + produtos sendo aliados na construção dos softwares. Você acredita nisso tb, ou enxerga outras ações?