Eu não quero ser como o Google
Minha visão sobre o estilo de gestão do Google, baseada na minha experiência pessoal
Eu interagi com muitos fundadores de startups nos últimos dois anos. Uma coisa que ouço frequentemente é que eles aspiram ser como o Google. Normalmente, não discordo de bate pronto porque, afinal de contas, passei mais de 6 anos no Google e me tornei gestora lá. Provavelmente, a maioria ou todos eles pensam que, ao dizer algo assim para mim, estão de alguma forma dizendo "queremos você".
Acho que o Google fez contribuições imensas para a cultura de gestão em empresas de tecnologia. Mas o Google, como qualquer empresa, também poderia ter feito algumas coisas melhor. Pelo menos essa foi a minha impressão do tempo que passei lá, e queria compartilhar alguns desses insights.
O Google foi o primeiro empregador que tive que dava grande importância aos benefícios não salariais oferecidos aos seus funcionários. Você pode imaginar: massagens no local, três refeições preparadas por chefs fornecidas gratuitamente, mesas de ping-pong e sinuca espalhadas pelo escritório. O Google também tinha lavanderias em alguns escritórios, academia gratuita, presentes de Natal e muitos outros benefícios. Em termos de emprego, era praticamente o paraíso.
Na minha opinião e experiência, o Google foi pioneiro em tratar seus funcionários em geral melhor do que jamais tinham sido tratados antes. Isso não só fazia as pessoas quererem trabalhar lá e permanecer lá, mas também falarem muito bem do Google como empregador. Era incrível para o branding do Google como empregador.
Tratar bem as pessoas ia além dos benefícios. Uma vez que você ingressava no Google, você também se sentia muito bem cuidado, o Google como empresa parecia realmente considerar seus funcionários como seu ativo mais importante. Eles tiravam todos os obstáculos do seu caminho para garantir que você (a pessoa super inteligente que – se fosse como eu – sentia que não merecia, mas ainda assim foi contratada pelo Google) pudesse se concentrar em fazer seu melhor trabalho.
Os Googlers tinham acesso ao melhor treinamento disponível no mercado para se desenvolverem: inteligência emocional, MBTI, liderança situacional, outros treinamentos de liderança adaptados à empresa. Liste aí, eu fiz todos. O Google foi, até 2012, a empresa e o trabalho onde mais cresci em minhas habilidades, tanto tecnicamente como SRE quanto nas chamadas habilidades interpessoais, ou “soft skills”. Também aprendi as melhores ferramentas de gestão para ajudar os membros da minha equipe a entregarem seu melhor trabalho. Sinto que no Google eu também cresci como ser humano.
O Google também tinha um conjunto super estruturado de ferramentas de gestão. Tinha feedback 360 a cada 6 meses, os engenheiros deveriam avaliar seus gerentes — isso foi novidade para mim! Fazíamos calibrações a cada 3 meses. Era muito trabalho adicional, mas esse era o custo de ser uma empresa tão grande com pessoas de alta performance, certo?
O Google foi definitivamente um pioneiro, mas a indústria continuou evoluindo para diferentes modelos, e alguns deles eram mais justos e mais de fato orientados para as pessoas do que o Google que eu experimentei.
Foi no Google, em 2008, que aprendi que poderia ser líder técnico de um projeto e ter um colega de equipe, liderado por mim em tal projeto, que ganhava 30% mais dinheiro do que eu. Assim é a vida. Isso foi corrigido no ciclo de avaliação de desempenho subsequente, quando fui promovida e recebi um aumento absurdo de mais de 40%.
Foi também no Google que aprendi que, como mulher na tecnologia, eu precisava aprender sobre o jogo que estava jogando porque mesmo o processo mais bem elaborado, criado com as melhores intenções, pode perpetuar discriminação. Os comitês de promoção, na época em que eu estava no Google, não serviam bem às mulheres e pessoas que não gabavam muito de seu próprio trabalho. O RH até ajudava a organizar workshops para mulheres em Zurique para ajudá-las a escrever autoavaliações com um tom mais enfático sobre suas próprias realizações, porque palavras como "ajudei" ou verbos no gerúndio não ajudavam as mulheres a obter reconhecimento nos comitês de promoção: é sobre o que você fez, não sobre o que está fazendo. Não só participei desses workshops, como ministrei alguns deles.
Os comitês de promoção foram projetados para serem mais justos por não terem contexto sobre as pessoas sendo discutidas. Eles não deveriam ter contexto, pelo menos. Mas o que acontecia de fato era que quem escrevesse as melhores histórias conseguia os melhores resultados, não necessariamente aqueles que faziam o melhor trabalho. Minorias conhecidas por não reivindicarem créditos pelo que faziam não tinham um defensor na sala onde as decisões estavam sendo tomadas.
O Google também me ensinou as consequências de insistir que grandes engenheiros se tornassem gerentes de pessoas. Tive um bom gerente e alguns terríveis durante meu tempo lá. Eu virei gestora para isolar meus colegas das maluquices gerenciais e então pudessem fazer seu melhor trabalho. Não é uma grande motivação, eu sei. Não me arrependo da escolha que fiz e ainda acho, muitos anos depois, que meu trabalho ainda tem um pouco disso na essência.
Nas calibrações, havia algumas regras arbitrárias que não faziam sentido para mim na época: se um engenheiro mudasse de equipe, ele caía um nível em sua avalição anterior de desempenho. Essa era a minha menos favorita.
Muitos engenheiros se voltaram para a gestão como carreira, pressionados por outros gerentes para que a empresa pudesse escalar. Muitos deles se tornaram gerentes terríveis sem muitas habilidades interpessoais.
Eu não gostava do “jeito do Google” de gerenciar as carreiras de pessoas. Acho que os gerentes desempenham um papel importante contextualizando o trabalho de uma pessoa engenheira quando ela não consegue fazer isso bem sozinha. Acho que meu papel como gerente é perguntar ao gerente ao meu lado por que diabos ele está classificando o desempenho de uma engenheira como “excede as expectativas” por dois anos e ainda assim não a está promovendo e responsabilizar o gerente (e o indivíduo, se for o caso) para que essa promoção aconteça.
Demorei muitos anos para perceber, mas o Google que experimentei tinha uma arrogância de engenharia que eu não apreciava nem um pouco e, como consequência, nunca senti que me encaixava lá.
Minha carreira gerencial no Google não estava indo a lugar nenhum. Tinha ótimos mentores entre meus pares, mas minha linha de gestão era terrível. Meu gerente direto perdeu todas exceto uma mulher de sua equipe dentro de 6 meses após minha saída, e ainda assim, não deve sequer ter sido questionado. Se questionaram, provavelmente julgaram não importante, já que ele foi promovido a Diretor logo em seguida da nossa saída da empreasa.
Um ciclo eu recebia feedback de que estava focando demais em gestão, não o suficiente em resultado técnico, no ciclo seguinte eu recebia o oposto: técnica demais, não o suficiente em gestão.
Reuniões de Revisão de Design eram como pedir autorização para gerentes e engenheiros seniores para fazer seu trabalho. Essas reuniões eram extremamente agressivas, e eu sentia que nunca gostaria de apresentar lá. Parecia que, se você não soubesse todas as respostas para todas as perguntas aleatórias que as pessoas fariam, voltaria à estaca zero e seu projeto não aconteceria. Pelo menos não agora, não até que você obtesse esse selo de aprovação.
Tudo isso foi acumulando e me frustrando, e junto com as desculpas eternas sobre me promover, foi a principal razão pela qual decidi começar a procurar um novo emprego.
Uma vez que consegui um emprego e decidi sair, me ofereceram muito dinheiro para ficar. Fiz as contas…Eu tinha certeza de que nenhum dinheiro no mundo me faria feliz continuando na mesma situação em que estava. Recebi duas ofertas de emprego e tive que escolher uma. Uma era na Canonical e a outra no Facebook. Aceitei o emprego no Facebook e foi, de longe, a melhor escolha de carreira e de vida que fiz.
Sinto que todas as oportunidades no Google estavam empacotadas para presente e tinham nomes de quem seria presenteado. Mas meu nome não estava em nenhum desses pacotes. Se eu tivesse que aprender coisas para merecer oportunidades, meu gerente não ajudava em nada, nem meu diretor.
Voltando ao título que escolhi, quando as pessoas me dizem que querem construir o Google do Brasil, eu pauso. Eu não quero. Aprendi coisas no Google, mas de uma perspectiva puramente gerencial, tenho certeza de que há muitas maneiras de fazer as coisas muito melhor do que eram lá. Quero criar formas novas e melhores de fazer engenharia em ambientes de alta performance, e não copiar um sistema do qual conheço bem os defeitos.
Crédito da foto: Anthony Quintano from Mount Laurel, United States, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons